Artigos | Postado no dia: 12 fevereiro, 2025

A INSALUBRIDADE NO AMBIENTE DE TRABALHO E A EFICÁCIA DOS EPIS: UMA ANÁLISE ECONÔMICA E SOCIAL DAS REPERCUSSÕES DA DESCARACTERIZAÇÃO DO PPP

A saúde e segurança no trabalho são pilares de uma sociedade justa e economicamente próspera, refletindo o respeito à dignidade humana e o compromisso com o desenvolvimento social. No Brasil, a legislação trabalhista e previdenciária busca proteger os trabalhadores contra a exposição a agentes nocivos e insalubridades, com mecanismos como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a emissão do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). O PPP, documento que consolida informações sobre o histórico laboral do trabalhador, incluindo a exposição a agentes nocivos e as medidas de proteção adotadas pela empresa, desempenha um papel crucial na comprovação do tempo de serviço especial para fins previdenciários, especialmente na concessão de aposentadoria especial.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao debruçar-se sobre o Tema 1.090, questiona a validade do PPP como meio de prova da eficácia dos EPIs na neutralização de agentes nocivos. A desconsideração do PPP como prova suscita preocupações sobre a geração de incertezas jurídicas e repercussões econômicas e sociais, impactando a conduta dos agentes envolvidos (empregadores, trabalhadores e Previdência Social).

Este artigo, baseado em estudo elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), aprofunda a análise das possíveis consequências da descaracterização do PPP. Utilizando conceitos da teoria econômica, o estudo avalia os impactos da incerteza jurídica sobre o comportamento dos agentes e o equilíbrio do sistema, abordando o arcabouço legal, analisando dados estatísticos e aprofundando a discussão sobre o papel dos EPIs e a importância da proteção à saúde do trabalhador.

1. O Contexto da Insalubridade e a Importância do PPP: Uma Análise do Arcabouço Legal e Reflexões sobre a Dignidade do Trabalho

A insalubridade no ambiente de trabalho, caracterizada pela exposição dos trabalhadores a agentes nocivos como ruído, calor, substâncias químicas e agentes biológicos, representa um desafio para a saúde dos trabalhadores e para a sustentabilidade das empresas. A exposição a esses agentes pode causar doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e perda de produtividade, impactando negativamente o bem-estar dos trabalhadores e a economia do país.

No Brasil, a legislação trabalhista, consolidada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e nas Normas Regulamentadoras (NRs), prevê medidas de proteção contra a insalubridade, incluindo a utilização de EPIs e a emissão do PPP. As NRs estabelecem diretrizes para a prevenção e controle da insalubridade, definindo os limites de tolerância para exposição a agentes nocivos, os procedimentos para avaliação e controle dos riscos, e as responsabilidades dos empregadores na proteção da saúde dos trabalhadores.

O PPP, além de ser um instrumento de registro do histórico laboral, contendo informações sobre as atividades desenvolvidas, os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho e as medidas de proteção adotadas, desempenha um papel fundamental como meio de prova para fins previdenciários. É por meio do PPP que o trabalhador pode comprovar o tempo de serviço especial para a concessão de aposentadoria especial, benefício concedido àqueles que trabalharam expostos a agentes nocivos à saúde ou à integridade física.

A desconsideração da eficácia dos EPIs e a descaracterização do PPP como prova, no contexto do julgamento do Tema 1.090 pelo STJ, podem gerar um cenário de incerteza jurídica com potencial para aumentar a litigiosidade e comprometer a efetividade das políticas de saúde e segurança do trabalho. A incerteza sobre a validade do PPP pode levar trabalhadores a questionarem judicialmente as informações do documento e a eficácia das medidas de proteção adotadas pelas empresas, onerando o sistema judiciário e gerando custos adicionais para ambas as partes.

Mas, para além das questões jurídicas e econômicas, a problemática da insalubridade no trabalho nos convida a uma profunda reflexão sobre a dignidade do trabalho e o valor da vida humana. Trabalhar em condições insalubres, exposto a agentes nocivos que podem comprometer a saúde e a integridade física, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A busca por um ambiente de trabalho seguro e saudável é um imperativo ético e social. É preciso garantir que o trabalho, além de ser fonte de sustento e realização pessoal, contribua para a promoção da saúde e do bem-estar dos trabalhadores. A desconsideração da eficácia dos EPIs e a descaracterização do PPP como prova representam um retrocesso nesse caminho, fragilizando a proteção à saúde do trabalhador e colocando em risco a dignidade do trabalho.

2. Análise dos Dados Estatísticos: Acidentes de Trabalho, Aposentadorias Especiais e Ações Judiciais – Um Retrato da Realidade Brasileira

A análise dos dados estatísticos sobre acidentes de trabalho, concessões de aposentadorias especiais e ações judiciais relacionadas à insalubridade revela a magnitude do problema e a importância de garantir a efetividade das políticas de proteção à saúde do trabalhador no Brasil.

Dados do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (AEAT) mostram que o número de acidentes de trabalho no Brasil, apesar de ter apresentado uma tendência de queda nos últimos anos, ainda é elevado. Em 2020, foram registrados mais de 445 mil acidentes de trabalho, com uma taxa de 9,6 acidentes para cada 1.000 vínculos formais ativos. A maioria dos acidentes está relacionada à característica da atividade profissional desempenhada pelo trabalhador, o que evidencia a necessidade de medidas de prevenção específicas para cada setor e ocupação.

As estatísticas sobre concessões de aposentadorias especiais também apontam para um problema relevante. Dados do Sistema Único de Informações de Benefícios (Suibe/Dataprev) mostram um aumento expressivo no número de concessões de aposentadorias especiais entre 2004 e 2021, passando de 568 para 25.703. Destaca-se o alto percentual de concessões de aposentadorias especiais por via judicial, que em 2021 atingiu 95,5% do total. Esses dados evidenciam a dificuldade dos trabalhadores em obterem o reconhecimento do tempo de serviço especial junto ao INSS, o que os leva a recorrerem à justiça para garantir seus direitos.

O aumento da judicialização é um reflexo da complexidade do tema da insalubridade e das dificuldades na comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos. Levantamento do escritório de advocacia LG&P mostra que o número de ações trabalhistas relacionadas à insalubridade tem crescido nos últimos anos, com o adicional de insalubridade sendo um dos principais motivos de litígio. A incerteza jurídica gerada pela desconsideração do PPP pode agravar ainda mais esse quadro, incentivando a judicialização e sobrecarregando o sistema judiciário.

Esses números nos convidam à reflexão: quantos trabalhadores estão expostos a agentes nocivos sem a devida proteção? Quantos adoecem e têm suas vidas prejudicadas pela insalubridade no trabalho? Quantos veem seus direitos negados e precisam recorrer à justiça para garantir uma aposentadoria digna? Esses questionamentos, que emergem da análise dos dados estatísticos, reforçam a necessidade de proteger a saúde do trabalhador e garantir a justiça social.

3. Repercussões Econômicas da Descaracterização do PPP: Uma Análise à Luz da Teoria Econômica e a Busca por um Sistema Equilibrado

A incerteza jurídica sobre a validade do PPP, suscitada pela análise do Tema 1.090 pelo STJ, pode gerar repercussões econômicas negativas em diversos níveis, impactando a conduta dos agentes econômicos e o equilíbrio do sistema. Para analisar essas repercussões, utilizaremos conceitos da teoria econômica, como a Economia dos Custos de Transação e a Teoria da Agência.

3.1. Aumento da Demanda por Benefícios Previdenciários e o Risco de Desequilíbrio Financeiro

A incerteza sobre a validade do PPP como meio de prova para a aposentadoria especial pode gerar um aumento na demanda por esse benefício, sobrecarregando o INSS e o sistema previdenciário como um todo. Esse fenômeno, conhecido como “corrida aos postos do INSS”, já foi observado em outros momentos de mudança nas regras previdenciárias, como na Reforma da Previdência de 2019.

O aumento da demanda por benefícios previdenciários impacta diretamente o equilíbrio financeiro da Previdência Social. O sistema previdenciário brasileiro, baseado no regime de repartição, depende do equilíbrio entre as contribuições dos trabalhadores ativos e os benefícios pagos aos aposentados e pensionistas. Um aumento expressivo no número de aposentadorias especiais, sem o correspondente aumento das receitas, pode agravar o déficit previdenciário e comprometer a sustentabilidade do sistema.

A busca por um sistema previdenciário equilibrado e sustentável exige uma análise cuidadosa dos impactos de qualquer mudança nas regras de concessão de benefícios. A incerteza gerada pela desconsideração do PPP pode comprometer esse equilíbrio, onerando as contas públicas e colocando em risco a capacidade do sistema de garantir a proteção social aos trabalhadores.

3.2. Judicialização, Litigiosidade e o Custo da Incerteza

A desconfiança em relação ao PPP e a incerteza sobre a eficácia dos EPIs podem levar a um aumento da judicialização, com trabalhadores questionando na justiça as informações do documento e as medidas de proteção adotadas pelas empresas. A litigiosidade gera custos para ambas as partes, com o dispêndio de tempo e recursos em processos judiciais, honorários advocatícios e perícias técnicas.

A Economia dos Custos de Transação, desenvolvida por Oliver Williamson, analisa como as instituições e os contratos afetam as relações econômicas. Williamson (1985) argumenta que a incerteza jurídica aumenta os custos de transação, pois dificulta a previsibilidade e a confiança nas relações entre os agentes. No caso da insalubridade, a incerteza sobre o PPP e a eficácia dos EPIs pode gerar desconfiança entre trabalhadores e empregadores, aumentando os custos de monitoramento, negociação e enforcement dos contratos de trabalho.

A judicialização excessiva, além de gerar custos financeiros, consome tempo e energia que poderiam ser dedicados à prevenção e à promoção da saúde e segurança no trabalho. É preciso buscar mecanismos que garantam a segurança jurídica e reduzam a necessidade de recorrer à justiça para resolver conflitos trabalhistas.

3.3. Elevação dos Custos das Empresas e Impactos no Mercado de Trabalho

As empresas podem ser impactadas pela elevação dos custos trabalhistas em decorrência do aumento da judicialização e da necessidade de provisionamento para o pagamento de passivos trabalhistas. Além disso, a incerteza sobre a validade do PPP e a possibilidade de autuações por parte da Receita Federal podem levar as empresas a aumentarem as contribuições previdenciárias, onerando ainda mais a folha de pagamento.

O aumento dos custos trabalhistas pode ter impactos negativos no mercado de trabalho, levando à redução da demanda por mão de obra, à queda nos salários e ao aumento do desemprego. As empresas podem buscar alternativas para reduzir o custo da mão de obra, como a automação de processos e a terceirização de atividades, o que pode gerar precarização das relações de trabalho.

A elevação dos custos e a incerteza jurídica podem criar um ciclo vicioso, desestimulando a geração de empregos e o crescimento econômico. É preciso encontrar um equilíbrio entre a proteção à saúde do trabalhador e a sustentabilidade das empresas, garantindo um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento econômico e social.

3.4. Desincentivo ao Investimento em Saúde e Segurança do Trabalho e seus Impactos

A incerteza jurídica e o aumento dos custos com a judicialização podem desincentivar as empresas a investirem em medidas de proteção e programas de saúde e segurança do trabalho. A falta de clareza sobre as regras e a possibilidade de questionamentos judiciais podem levar as empresas a postergarem ou cancelarem investimentos em segurança, priorizando a redução de custos em detrimento da proteção dos trabalhadores.

A redução dos investimentos em saúde e segurança do trabalho pode ter consequências graves para os trabalhadores, aumentando o risco de acidentes e doenças ocupacionais. A falta de medidas de proteção adequadas expõe os trabalhadores a agentes nocivos, comprometendo sua saúde e segurança. Além disso, a desvalorização da saúde do trabalhador pode impactar negativamente a produtividade e o desenvolvimento econômico do país.

Investir em saúde e segurança do trabalho não é apenas uma obrigação legal, mas também um investimento estratégico para as empresas. Trabalhadores saudáveis e seguros são mais produtivos e motivados, contribuindo para o sucesso do negócio. É preciso criar uma cultura de prevenção nas empresas, valorizando a saúde do trabalhador como um ativo fundamental para o desenvolvimento sustentável.

3.5. O Papel dos EPIs: Eficácia, Limites e a Necessidade de uma Abordagem Integrada

Os EPIs são ferramentas essenciais para a proteção dos trabalhadores contra os riscos ocupacionais, mas sua eficácia depende de diversos fatores, como a escolha do EPI adequado ao risco, o uso correto e a manutenção adequada. É fundamental que as empresas invistam em programas de treinamento e conscientização para garantir que os trabalhadores utilizem os EPIs de forma correta e segura.

É importante reconhecer que os EPIs possuem limites na sua capacidade de proteção. Em algumas situações, os EPIs podem não ser suficientes para eliminar completamente o risco, sendo necessário adotar medidas de proteção coletiva, como a instalação de sistemas de ventilação e exaustão, e medidas administrativas, como a organização do trabalho e a redução da jornada de trabalho em ambientes insalubres.

A proteção à saúde do trabalhador exige uma abordagem integrada, combinando o uso de EPIs com outras medidas de proteção e com a gestão dos riscos ocupacionais. As empresas devem implementar programas de prevenção de riscos ambientais, realizar monitoramento da saúde dos trabalhadores e promover a cultura de segurança no ambiente de trabalho.

4. Conclusões: Em Busca de um Ambiente de Trabalho Seguro e Saudável

A análise aprofundada das repercussões econômicas e sociais da desconsideração do PPP revela a importância da segurança jurídica e da estabilidade institucional para o bom funcionamento do sistema de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores. A incerteza gerada pela desconsideração do PPP pode impactar negativamente a conduta dos agentes econômicos, elevando custos, aumentando a litigiosidade e comprometendo a efetividade das políticas de prevenção.

É crucial que o Poder Judiciário, ao analisar casos como o Tema 1.090, leve em consideração as implicações econômicas e sociais de suas decisões, buscando garantir a segurança jurídica, a previsibilidade e o equilíbrio nas relações entre trabalhadores, empregadores e Previdência Social. A proteção à saúde e segurança do trabalho exige um esforço conjunto de todos os atores envolvidos, com base em regras claras, estáveis e justas.

A busca por um ambiente de trabalho seguro e saudável é um desafio contínuo que exige o compromisso de todos os setores da sociedade. É preciso investir em prevenção, promover a cultura de segurança, valorizar a saúde do trabalhador e garantir o acesso à justiça para aqueles que tiveram seus direitos violados. Somente assim poderemos construir um futuro com trabalho digno e seguro para todos.

Referências Bibliográficas

  • Fipe. (2022). Repercussões Econômicas da Presunção de Ineficácia dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para Neutralização de Agentes Nocivos à Saúde e Integridade Física do Trabalhador.
  • Williamson, O. E. (1985). The economic institutions of capitalism. New York: Free Press.
  • Alchian, A.A.; Demsetz, H. (1972). Production, information costs, and economic organization. American Economic Review v. 62, n. 5, p. 777-795.

 

 

Por: José Nijar Sauaia Neto. Advogado, Sócio do AFN Advocacia.