Artigos | Postado no dia: 21 fevereiro, 2025
ANÁLISE DO DESABAFO DO CEO DA LATAM E SUA CONSONÂNCIA COM O DIREITO AERONÁUTICO

O desabafo do CEO da LATAM traz reflexões importantes sobre a responsabilidade das companhias aéreas em casos de colisão com aves (bird strike) e os impactos econômicos e jurídicos dessa situação. Do ponto de vista do Direito Aeronáutico, há respaldo para a argumentação de que as companhias aéreas não deveriam ser responsabilizadas por eventos que fogem ao seu controle, como o manejo da fauna aeroportuária.
A responsabilidade civil das companhias aéreas no Brasil é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). O artigo 14 do CDC estabelece a responsabilidade objetiva das empresas pelo serviço prestado, o que significa que o passageiro não precisa provar culpa para ser indenizado. No entanto, o §3º do mesmo artigo permite a exclusão da responsabilidade em caso de força maior ou caso fortuito.
A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), por meio do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) nº 153, estabelece que o controle da fauna aeroportuária é de responsabilidade do operador aeroportuário e das autoridades ambientais e municipais (ANAC, 2019). Isso confirma que as companhias aéreas não possuem ingerência direta sobre o risco de bird strike, apenas devem seguir os protocolos de segurança quando ele ocorre.
A interpretação dos tribunais brasileiros sobre colisões com aves ainda é controversa. Algumas decisões reconhecem que esse evento é inevitável, afastando a indenização por danos morais, enquanto outras entendem que a companhia aérea ainda deve compensar os passageiros, exemplos:
Decisão favorável às companhias aéreas:
- A Turma Recursal do TJDFT já decidiu que bird strike é um evento externo e inevitável, caracterizando força maior. Dessa forma, afastou a indenização por danos morais, pois não houve falha na prestação do serviço (TJDFT, Processo 0706794-12.2018.8.07.0016).
Decisão contrária às companhias aéreas:
- Em outra decisão, o TJSP condenou uma companhia aérea a indenizar passageiros por um atraso decorrente de bird strike, sob o argumento de que a empresa deveria estar preparada para minimizar impactos operacionais (TJSP, Processo 1001363-72.2021.8.26.0562).
Dessa forma, o CEO da LATAM levanta um ponto legítimo: o entendimento judicial brasileiro frequentemente responsabiliza as companhias aéreas mesmo quando o evento é inevitável.
O CEO menciona que colisões com aves não são raras, mas não podem ser evitadas pelas companhias aéreas, e ele tem razão. Um bird strike ocorre devido à presença de fauna nas proximidades do aeroporto, sendo um problema de infraestrutura aeroportuária e ambiental.
O Anexo 14 da Convenção de Chicago, documento base da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), determina que os Estados-membros devem adotar medidas de controle da fauna nos aeroportos (OACI, 2018). No Brasil, essa diretriz é aplicada por meio da Resolução ANAC nº 279/2013, que delega essa responsabilidade ao operador aeroportuário.
Portanto, se o risco de colisão com aves é previsível, mas inevitável pela companhia aérea, a responsabilidade não pode ser atribuída a ela. Esse é um argumento sólido para questionar as decisões judiciais que impõem indenizações por atrasos decorrentes de bird strike.
O CEO da LATAM faz uma crítica relevante ao afirmar que o Brasil representa 98% das ações judiciais contra companhias aéreas no mundo, mas opera apenas 3% dos voos globais. De fato, há um excesso de ações judiciais no país, o que impacta o setor aéreo.
Dados da IATA (International Air Transport Association) confirmam que o Brasil é o país com o maior número de processos judiciais relacionados ao transporte aéreo, muitas vezes resultando em decisões que favorecem os consumidores mesmo quando o evento não é culpa da companhia aérea (IATA, 2020).
Esse fenômeno ocorre porque o CDC brasileiro é aplicado com um viés altamente protecionista, enquanto em outros países as regras seguem princípios de responsabilidade objetiva mitigada, em que as empresas só são responsabilizadas quando há falha efetiva na prestação do serviço (COELHO, 2017).
Essa judicialização excessiva gera impactos negativos para todos os passageiros, pois:
- As companhias aéreas repassam os custos das indenizações para as tarifas aéreas, tornando as passagens mais caras.
- As decisões judiciais criam um incentivo para litígios, mesmo em casos em que a responsabilidade da empresa não é clara.
O desabafo faz sentido?
Sim, o desabafo do CEO da LATAM tem fundamento jurídico e econômico. As companhias aéreas não devem ser responsabilizadas por eventos que estão fora do seu controle, como colisões com aves, cujo manejo é de responsabilidade dos administradores aeroportuários e das autoridades públicas (ANAC, RBAC 153).
Além disso, a judicialização excessiva no Brasil gera um efeito perverso:
- Aumento do custo das passagens aéreas, já que as indenizações são repassadas ao consumidor.
- Desvio da responsabilidade real, que deveria recair sobre aeroportos e órgãos ambientais.
- Desincentivo ao investimento no setor aéreo, tornando o transporte menos eficiente e mais caro.
O que deveria ser feito?
- Maior investimento no manejo da fauna aeroportuária.
- Interpretação judicial mais equilibrada, considerando eventos como bird strike como caso fortuito/força maior.
- Políticas públicas que incentivem a resolução extrajudicial de conflitos, evitando ações desnecessárias.
O CEO não critica o direito do passageiro de buscar reparação, mas sim a desproporcionalidade do sistema judicial brasileiro, que muitas vezes impõe indenizações sem considerar a real responsabilidade dos envolvidos. A solução para reduzir custos para passageiros e empresas passa por ajustes na regulação, investimentos preventivos e uma revisão da jurisprudência sobre eventos inevitáveis.
Referências Bibliográficas
- AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC). Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC) nº 153. Disponível em: https://www.gov.br/anac. Acesso em: 21 fev. 2025.
- BRASIL. Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 fev. 2025.
- BRASIL. Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986). Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 fev. 2025.
- COELHO, Fábio Ulhoa. O Princípio da Responsabilidade Objetiva e Seus Limites no Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2017.
- IATA – INTERNATIONAL AIR TRANSPORT ASSOCIATION. Judicialization in Air Transport: A Global Analysis. Relatório técnico, 2020.
- ORGANIZAÇÃO DA AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL (OACI). Anexo 14 à Convenção de Chicago – Aeródromos. 9ª edição, 2018.
- TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 0706794-12.2018.8.07.0016. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br. Acesso em: 21 fev. 2025.
- TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo 1001363-72.2021.8.26.0562. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br. Acesso em: 21 fev. 2025.